quinta-feira, 23 de abril de 2009

Telejornalismo abusa da câmera escondida

Dayane Molina de Albuquerque Fonte: Webjornal-laboratório, n. 77, Universidade do Norte do Paraná

Telejornais e programas de televisão estão dedicando espaços privilegiados às matérias com câmera escondida. O "Jornal Nacional" e o "Fantástico" são exemplos atualíssimos de programas que utilizam o recurso de forma banal. Mas, não é só na Rede Globo que isso acontece. Programas da Rede Record, como o "Domingo Espetacular", e o "Sônia e Você", também estão abusando desse expediente.
A câmera escondida é mais um artifício para ganhar a tão cobiçada audiência. Ela atrai a atenção do telespectador e desperta nele curiosidade, pois cria, ao redor da matéria, a expectativa de que o assunto é sigiloso, de difícil acesso e, por isso, importante o uso da câmera escondida.
O fato é que esse recurso facilita o trabalho do repórter, porque traz consigo o benefício da praticidade, da rapidez. E o pior é que, através de câmeras cada vez menores, a maioria das vezes o jornalista não se identifica à fonte, se passa por outra pessoa - o que pode se caracterizar crime de falsidade ideológica - e muitas vezes, pode até induzir o personagem ao crime.
Em entrevista ao Correio Brasiliense, ainda em 2002, o professor de Telejornalismo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Antônio Brasil, disse que a tradicional investigação jornalística toma um atalho muito mais fácil e conveniente nas novas trilhas abertas pela tecnologia da câmera oculta.
Se por um lado, a câmera escondida é adorada por alguns jornalistas, por outro, também é um alvo polêmico de discussão. A questão fundamental que norteia a discussão é: até que ponto é correto o jornalista não se identificar à fonte e gravar imagens de pessoas sem autorização?
Se o jornalista se passa por outra pessoa está enganando sua fonte e, desse modo, está ferindo o dever fundamental de todo jornalista, que é agir com a verdade. A reportagem da revista Veja, produzida por Ricardo Valladares, no dia 5 de março de 1997, com o título "Flagrante forjado", dizia que, no momento em que o jornalista atribui-se o direito de mentir, um órgão de imprensa passa a interferir na realidade, criando um espetáculo no qual não é possível distinguir, com a clareza necessária, o que é realidade e o que é fruto da intervenção do repórter. "Criar flagrantes forjados não é uma boa opção para o trabalho da imprensa", constatou Valladares na reportagem da Veja.
Um exemplo típico de flagrante forjado, ou seja, de matéria que teve o repórter como peça fundamental na prática do crime que queria denunciar, ocorreu numa reportagem feita pelo programa "Fantástico", em julho de 2005. A reportagem era sobre um golpe que estava acorrendo na internet, no qual um hacker oferecia seu trabalho para quitar dívidas de devedores, por um valor menor, através da internet. Pelo serviço, ele cobrava 60% do valor da conta. Com uma câmera oculta, o repórter do "Fantástico" se passou por um "cliente" interessado nos serviços do hacker, para "flagrar" o crime que queria denunciar. O repórter agiu, então, como personagem da notícia.
De acordo com o editorial "A câmera oculta é um recurso honesto do jornalismo?", do Instituto Gutemberg - especializado em discutir questões relativas ao jornalismo - produzido em março de 1997, foram os Estados Unidos quem inventaram o recurso da espionagem eletrônica, e, no entanto, a maioria dos jornalistas americanos reprova o disfarce.
Além disso, conforme o editorial do Instituto, o Código de Ética da Sociedade dos Jornalistas Profissionais dos EUA é restritivo. Uma das ressalvas do código é que a câmera oculta deve ser utilizada como último recurso, quando todas as outras alternativas para obter a mesma informação estiverem esgotadas e em caso de relevante interesse público.
Também, de acordo o Instituto Gutemberg, outro ponto do código é que a câmera oculta não deve ser usada com o objetivo de fazer uma reportagem em menor tempo e com menos despesas. O Instituto Gutemberg reiterou, ainda, no editorial, que 'muitas vezes o repórter é peça fundamental na prática do crime que pretende denunciar''. Como ocorreu no caso acima.
Outra reportagem que não enobrece em nada o jornalismo brasileiro trata das férias de Suzane Von Richthofen, acusada de ter participado do assassinato dos pais. No dia 5 de fevereiro deste ano, o programa "Domingo Espetacular", da Rede Record, exibiu cenas de Suzane, em férias, na praia de Ubatuba, litoral note de São Paulo. A câmara oculta flagrou a garota com amigos, passeando, almoçando, sem ser reconhecida pelas pessoas.
O programa "Sônia e Você", também da Record, dedicou valiosos minutos para reprisar as cenas de Suzane. E mais. As imagens também serviram para a jornalista e apresentadora do programa, Sônia Abrão, fazer uma análise da aparência física da acusada. Esse é o tipo de matéria que não beneficia ninguém. Nem as férias de Suzane e muito menos saber se ela está mais gorda é relevante.
O fato é que, hoje, a micro-câmera tornou-se um instrumento banal pelos jornalistas. Banalizar significa tornar algo, corriqueiro e vulgar. E se algo é corriqueiro, significa que ele é comum, habitual. Portanto, se a câmera oculta está banalizada é porque ela se tornou um instrumento habitual entre os jornalistas, enquanto deveria ser usada apenas como último recurso, ou seja, quando não há outra forma de obter a reportagem e quando o assunto é de grande interesse público e vai beneficiar milhares de pessoas.
A câmera oculta é um artifício que não deve ser extinto ou proibido. Porém, jornalistas que usam a câmera escondida, não podem ser - e na maioria das vezes são - personagens da notícia. Além disso, não pode tornar-se um instrumento corriqueiro nas mãos dos jornalistas, como se vê atualmente. O que deve ficar claro é que a câmera oculta não é o único e melhor meio de se fazer jornalismo. Jornalismo de qualidade, claro.

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